Um grande amigo e companheiro de treino (ultimamente anda desanimado com os treinos) Marcelo Frossard, também conhecido como “Maminha”, escreveu um relato sobre a sua participação na competição de estágios de MTB mais difícil do mundo, o Brasil Ride.
Vejam aqui a segunda parte do texto
Texto por Marcelo Frossard
Terceiro dia – XCO
Nesse dia a maior preocupação era nosso estado físico. Levantei e doía tudo!! Perguntei ao Geraldo como estava e a resposta foi a mesma.
Não tivemos outra opção que não fazer apenas uma volta e focar o resto do dia na recuperação para o dia seguinte.
Nossa volta foi dividida em duas partes. A primeira parte subimos até a capelinha pra assistir os profissionais descendo. É um show, os caras não são deste planeta, são extremamente técnicos!! Descem em uma velocidade espantosa.
A segunda parte foi descer e ficar na sombra esperando o líder passar pra abrir a última volta pra que nós pudéssemos fechar a nossa única e derradeira volta.
Só pra explicar, o regulamento diz que quando o líder abrir a última volta ninguém mais pode abrir volta, por isso, quem precisa descansar, larga e para pra assistir a prova até o líder abrir a última volta, daí o cara pega a bike e cruza a linha de chegada. O regulamento prevê penalização somente em horas. Como a ideia é terminar a prova, é melhor tomar 2 horas de penalidade mas ter as pernas descansadas para o fim da prova.
O resto do dia se resumiu a beber o máximo de isotônico e fazer as eletroestimulação ( uma maquina que dá pequenos choques pra limpar o ácido lático dos músculos).
Quarto dia.
Essa seria a prova de fogo, se conseguíssemos fazer bem o dia, era sinal de que estávamos recuperados.
Logo na largada um bom sinal, o corpo já não doía mais. O Geraldo também estava se sentindo bem.
Nesse dia, o que mais se houve é: “O Brasil Ride começa hoje”. Isso dá um ódio. Porra, já estou me lascando aqui a 3 dias e só começa hoje!!
Os cenários deste dia são épicos, simplesmente maravilhosos. Tem um momento que fazemos um single bem grande em uma área descampada que termina em um mirante, parece que estamos dentro do filme Jurassic Park. Nesse dia as paisagens tem mais vegetação!! O visual é tão lindo que as nossas baterias se recarregam. As dúvidas se todo o esforço vale a pena se dissipam em segundos.
O ponto mais duro da prova é uma subida bem longa (cafezal) que começa no asfalto e termina num trecho de terra que consome todas as suas forças.
Quando começamos a descer, percebi o tamanho da bronca!! Os trechos de descida eram EXTREMAMENTE técnicos, as pedras pareciam ter sido amoladas e colocadas de forma que, se alguém caísse, se quebraria todo. Não é pra menos que o nome da rampa é Kamikase.
Tentei descer da maneira mais cuidadosa possível mas mesmo assim tomei 3 tombos que não me machuquei por puro milagre. As coisas acontecem tão rápido que, o Geraldo seguia na minha frente e avisou uma pedra, quando fui olhar, já estava sem bicicleta e catando cavaco!!
É tão perigoso e técnico que perde-se o prazer de pedalar e o tempo se arrasta!! Pode parecer estranho, mas prefiro passar pelo Vietnã a ter que passar pelo Kamikase!
Depois de toda essa adrenalina, a prova termina naquela serrinha de 9kms do segundo dia!
A boa notícia é que entramos no meio dela e só subimos 5 kms. A essa altura, subir 5km é apenas aquecimento.
Quinto Dia.
Nesse dia cometi o erro clássico. Olhei a altimetria da prova e pensei que seria moleza. No gráfico subimos os primeiros 20 kms e depois é praticamente só decida até o km 80. Pense em um cara feliz. Sabe nada inocente!!
No início, realmente subimos 20 kms mas sem muita inclinação. É constante!! Depois disso, nos trechos de decida quase não se consegue ficar em cima da bike, são bem perigosos, misturam trechos onde é quase impossível passar com trechos onde é impossível passar!! A dinâmica de distribuição das pedras no chão é sempre àquela visando um maior estrago em caso de queda!! Simplesmente, quebra-se a principal lei da física do MTB, que diz que “ se é pra baixo é bom”. Pela primeira vez na minha vida pude perceber uma exceção a esta regra.
Pra não dizer que foi fácil, temos alguns trechos de areia, que fazem seu bom humor desaparecer.
Um lugar inesquecível é uma subida, em modo empurra bike, de mais ou menos uns 40 minutos!! Gostoso como o Vietnã só que sem a umidade e não tão longo!!
Depois disso alguns singles bem bacanas e um trecho de estradão que faz a velocidade aumentar. Se o atleta se empolgar gasta energia antes da hora porque o final é bem duro.
O cenário muda um pouco também, passamos por dentro de cidades.
E, pra finalizar, subimos uma serra, chamada de asfalto verde, de cerca de 8 kms pouco antes da chegada, quando você já está completamente exausto!
Sexto dia – Volta pra Mucungê.
Esse é um dia engraçado, não tem NINGUÉM feliz na largada. A turma já está meio empenada, de lado e a bunda doe. O que ajuda é a sensação é de que falta apenas mais uma etapa, o que não é verdade!!
Largamos bem cedo, dia nublado e com uma garoa bem fina, que não chegava a molhar. Fomos em um ritmo um pouco mais forte porque a etapa começa com uns 2 kms de subida e depois descemos a serra de 10 kms que quase nos matou uns dias antes. Como a serra é bem íngreme, optamos por fazer uma forçinha e descer com menos gente no caminho. Foi uma ótima estratégia, fica realmente perigoso descer todo mundo junto porque a velocidade da descida é bem alta e as curvas são bem fechadas.
Passado esse pequeno trecho, o percurso é basicamente estradão, mas como não poderia deixar de ser, temos três subidas mais fortes com 4 a 6 kms de extensão cada.
A primeira delas é toda na terra e dá uma paulada no psicológico porque conseguimos ver todo o trecho que teremos que subir. Quando percebemos a subida estamos lá em baixo, em um vale, de repente, vemos uma estrada de terra que surge do topo da montanha e vem ao nosso encontro.
Mas tudo bem, penúltima etapa, primeira subida considerável do dia, é botar na coroinha e subir assobiando!! kkk
A segunda subida é mais dura e fica mais ou menos na primeira metade da prova e tem uns paralelepípedos que ajudam muito na hora de pedalar em pé, o que não quer dizer que será fácil. Como bem definiu o Decanha, hora de colocar em módulo de sobrevivência e ter fé!! A última subida é mais para o final e subimos na marra.
Saber que depois dela teremos somente 30 kms de plano para o fim da etapa é o melhor incentivo que alguém pode ter.
Vocês podem não acreditar mas a essa altura, 30 kms não são nada, é como se já tivéssemos terminado, conseguimos sentir o cheiro da linha de chegada. Sendo plano, aí é que ficou tranquilo de vez.
Pra ficar mais bonito ainda, tem um ponto de apoio logo depois da subida. Recarrega água, come-se um pouco, bebe-se uns 3 litros de isotônico, um Energético e estamos pronto pra glória.
Conversando com o Geraldo, decidimos que iríamos fazer uma escalera (revezamaneto) pra irmos mais rápido e chegarmos logo. Encontramos mais algumas duplas e seguimos num ritmo bem legal.
Pode parecer idiota mas é bom sentir um tipo de dor diferente. Durante toda a prova a dor que sentimos na perna é por esgotamento total de energia. Pedalamos tanto e por tanto tempo que parece que a nossa barra de life chega ao fim! O joelho parece que perde a lubrificação e passa a arranhar, o movimento fica travado, parece que estamos enferrujados.
Essa dor que sentimos na escalera é diferente, a perna queima, parece que estamos cortando giro (já que meu parceiro é piloto, vou utilizar uma expressão automobilísitica), a bike flui, o vento bate na cara, resumindo, você se sente beeem menos pau de rato!! Nessa tocada chegamos em Mucungê umas 16:00. Comparando com a Ida, foi mel na chupeta.
Uma curiosidade desta etapa é que se olhar a chegada, a maioria dos atletas chega pedalando em pé!! A bunda dói pra caramba! Eu levei um creme anti assaduras, no penúltimo ponto de apoio perdi a vergonha e dei uma bisnagada no bretelle!!! Ficou aquela meleca, mas quando sentei no selim e senti aquela pasta gelada formando uma película protetora (a propagando do creme fala isso) foi umas das melhores sensações do Brasil Ride.
Continua…