São Paulo – Tá estressado? Quer perder uns quilinhos? Não aguenta mais a rotina diária de embreagem-primeira marcha-ponto morto dos congestionamentos? Então pedale! O tráfego pesado, a sensação de perda de tempo, o custo com combustível, ônibus e metrô ou até mesmo o gostinho de aventura são alguns dos motivos que têm levado muita gente a optar pela bicicleta para ir e vir na capital paulista.
Todas as manhãs, o diretor de projetos da Fundação Getúlio Vargas Rene Fernandes veste terno, calça social, capacete, confere a garrafinha de água, põe a mochila nas costas e sai para pedalar por 4km até o trabalho. De sua casa, na Consolação, até o destino final, na Avenida Paulista, leva 15 minutos. “Com o carro, gastava 40 minutos”, diz Rene,de 28 anos, que também usa a bike para ir ao mercado, ao bar no fim de semana, e até mesmo em reuniões.
Foi no caminho para uma dessas reuniões, em Pinheiros, que ele parou na Praça Victor Civita para conversar com a reportagem. Pontual, chegou tranquilo, quase sem transpirar, como se não tivesse feito esforço algum. Adepto das magrelas há cerca de um ano e meio, Rene afirma que a bike lhe devolveu o controle do tempo.
“Hoje, não tenho a desculpa do trânsito para justificar o atraso”, brinca. E também, lhe deu mais serenidade ou, como gosta de dizer, um senso de “humanização dos deslocamentos”. “Tenho contato com coisas e pessoas que não tinha antes, isolado no carro”, explica. Para não falar dos benefícios físicos. “Como o que quiser e não engordo”.
Segurança e consciência para evitar “sustos”
Para os ciclistas urbanos, a escolha da rota é um dos principais fatores de segurança. “Ruas por dentro dos bairros e com lombadas [que espantam os carros] são trajetos melhores do que rodovias movimentadas”, diz o analista de sistema Willian Cruz, criador do site Vá de Bike! e ciclista há mais de dez anos.
Cuidados que ele segue ao pé da letra para sair de onde mora, na Praça da Árvore e chegar – são e salvo – na agência de publicidade em que trabalha, no Itaim Bibi. Montado em uma Caloi Urbe (a primeira bike dobrável da marca), Willian leva só 30 min no percurso de 10 km, metade do tempo que levaria de ônibus.
Obstáculos, eventualmente, aparecem. Ás vezes é um motorista de ônibus que acelera para passar perto e tirar o chamado fino educativo, diz. “Eles acham que o ciclista não tem direito de estar alí e querem dar uma lição, que pode virar tragédia”.
Noutros momentos, carros entram numa curva sem dar sinal e “fecham” o ciclista, que, por sua vez, também tem que sinalizar e indicar com acenos de mão pra onde quer ir. “Falta de consciência e respeito no trânsito são o maior perigo para quem pedala”, resume.
Bike de bolso
Numa cidade com pouca infraestrutura para bicicletas, os modelos dobráveis são verdadeiros coringas. Leves e fáceis de manusear, elas podem ser carregadas para todos os cantos. É com uma dessas magrelas práticas e portáteis que o designer gráfico Flávio Doin, de 36 anos, morador da Santa Cecília, vai ao dentista no centro da cidade. “Pedalo até o metrô, entro no vagão com a bike na mão (já compactada) e, quando chego no consultório, deixo na recepção”, conta.
No dia-a-dia, entre o ir e vir da casa ao trabalho no Alto da Lapa, ele conta com uma mountain bike. Demora 30 minutos em cada trecho. Vai vestido estilo ciclista mesmo. No escritório, toma uma ducha e se troca. “A ida ao trabalho vale como exercício aeróbico”, afirma Flávio, que retomou a vida de “ciclista-trabalhador” há oito anos.
Antes, durante um casamento de oito anos, que terminou em 2003, trocou as duas rodas por um carro para a família. Engordou 10 quilos. De lá pra cá, abraçou as magrelas novamente e já pedalou, só por aventura, de Vitória, no Espírito Santo, até Salvador, na Bahía. Foram mil quilômetros e seis dias. “O caminho é a diversão”, define.
Pedaladas noturnas de terno e gravata
Onze da noite. Enquanto muitos se preparam para pôr o pijama, o advogado e professor Odir Züge Jr., 41 anos, coloca luvas, óculos de proteção amarelos e acende a lanterna frontal abaixo do guidão, outra dianteira, logo acima da roda, e uma no capacete – e, assim, reluzente, encara 10 quilômetros entre a faculdade Zumbi dos Palmares, onde leciona, na Armênia (zona norte) até sua casa, no Tremembé, junto ao Horto Florestal.
“Ando bem sinalizado, como uma árvore natal, para ficar visível. Isso facilita a vida dos motoristas e resguarda a minha”, diz Odir, que precisa pegar um pequeno trecho da Marginal Tietê no caminho. Leva 35 minutos no percurso, marcado por travessias amenas e algumas subidas na Serra da Cantareira.
Em dez anos, perdeu dez quilos, estabilizou a pressão e “ficou menos estressado”, diz.. Conheceu outros ciclistas, fez amigos de infância. Já levou um baita susto ao ser atropelado por um carro que entrou em alta velocidade numa rotatória. “Felizmente, não morri, os prejuízos foram só uma roda torta e um câmbio perdido”, relembra. O motorista fugiu sem prestar socorro.
Noite de sexta é dia de redobrar a atenção. “O maior problema da cidade são motoristas alcoolizados”, afirma. No seu blog, o advogado é mais radical. “Os carros são para os fracos!”, diz em um post sobre as comemorações de hoje. “Para mim, todo dia é Dia Mundial Sem Carro”, afirma e logo à frente, sugere: “Deixe a lata velha em casa e pedale feliz”. E aí, você topa?
fonte: Exame