Olá pessoal, há alguns dias eu publiquei aqui uma matéria falando sobre o feito do Brasileiro Tobias Corso que completou um dos desafios ciclísticos mais difíceis do mundo! O Cent Cols Challenge.
O Tobias nos enviou o relato com o seu depoimento, falando sobre a preparação e a participação na prova.
Vejam aqui o relato que ele mandou para o PraQuemPedala
“Segue um não muito breve relato de tudo que passei desde a ideia de participar do evento. Henrique, creio que isso pode te dar alguma noção de como foi o processo todo, mas se preferir antes de publicar algo podemos conversar por Skipe, dessa forma podemos ser mais acertivos no material que você deseja publicar e nas informações que tu queres. Devo voltar ao Brasil no dia 26, ai podemos marcar uma conversa tranquilamente. Fico no aguardo do teu Feedback sobre o que está escrito abaixo. Abraços Tobias – ciclista bem amador. Além do meu comentário conversei com o Alex Arseno e ele ficou me mandar um pouco mais de detalhes sobre como ele elaborou o treinamento e seu planejamento.
A decisão de participar do desafio do Cent Cols Challenge (CCC) – Alps aconteceu, totalmente por impulso, no final de novembro de 2013. No dia em que vi as inscrições abertas, fiz no mesmo instante, sem nem me ligar no que estava me metendo, só na hora do jantar que notei a m. que tinha feito! Estava totalmente parado, estava pedalando ocasionalmente no máximo duas vezes por semana (uns 150 – 200 km por semana no máximo). Tive que recuperar o tempo perdido. Estava completamente fora de forma, mais de um ano sem uma rotina de treino. Então o início do treinamento foi complicado, muita dor, muitos erros, muitos problemas com a minha bicicleta antiga. Então com um mês “perdido” e com a inscrição feita, fui procurar ajuda profissional, nutricionista, preparador físico e também usei a prova como desculpa e troquei a bicicleta por uma novinha em folha.
Mas garanto que mesmo na forma que estou agora continuo um ciclista amador bem mediano, não gero uma potência específica alta – watts/Kg , nem tenho uma super resistência, na verdade me considero e sou um ciclista amador para lá de comum. Creio que a única coisa que é preciso para concluir um desafio desses é ter resistência emocional, manter o foco e ser um pouco louco. Para mim, desistir nunca foi uma opção aceitável. Por isso falo com total certeza que qualquer pessoa com vontade para se dedicar consegue terminar esses tipo de desafio.
O trabalho do pessoal que me assistiu mudou minha vida fora da bicicleta e também sobre ela, primeiro porque mudei minha alimentação radicalmente (é claro que de vez enquanto como ciclistas amador de final de semana me dava o direito de ir no boteco comer bolinho de carne, só a cerveja que desapareceu da dieta). Com o trabalho da Nutricare (Ana Paula Pegoraro) perdi quase 4 Kg de gordura e ganhei 1 Kg de massa magra (em 8 meses). No primeiro dia que entrei na consultório estava com 69 Kg, nada mal para alguém com de 1,77 m, mas se comparado com alguns participantes que participaram do desafio eu estava e continuo muito gordo (tinha ciclista que estava na casa do 49 – 52 Kg e não era um, eram vários!!)
O treinamento foi planejado pelo Alex Arseno, só me restava o trabalho de aceitar os grandes desafios que ele criava e tentar realiza-los, o que nem sempre foi possível, pois faltava força. O treinamento sempre foi longo nos finais de semana, tanto no sábado quanto no domingo, acabei passando muitas horas sobre o selim e alguns dias foram realmente muito sofridos, com sol ou com chuva estávamos na estrada para treinos que eram, geralmente, mais longos do que 150 km e com muita subida. Treinos específicos de tiro vieram com o decorrer do tempo.
Durante a semana os treinamentos aconteciam a noite, depois do trabalho, geralmente na presença do amigo Alceu Pazello. Que me dava apoio e incentivo, pois não é fácil sair todas as noites para treinar na cidade, ainda mais que não temos um local adequado e exclusivo para as bicicletas. Geralmente, treinávamos na popular pista dedicada “quase exclusivamente” a pratica esportiva de ciclismo e corrida, chamada Linha Verde – na faixa de circulação “NÃO” exclusiva de ônibus. Nos treinos de dias de semana realizava rotinas de tiros bem específicas. Por isso na maioria das vezes acabava indo treinar sozinho, afinal é bem chato fazer um treino bem regrado, só outro louco para te acompanhar. (Novamente obrigado Alceu!!)
O evento em si é simples, muito simples. Apesar de ser realizado em parceria com uma marca de roupa de ciclismo para lá de sofisticada o evento não tem glamour, nem pompa – Prova em estilo amador mesmo – organização no maior estilo Randonnée. A organização te auxilia somente durante os dias de prova com comida, gels, barras e carro de apoio, (chegar no hotel do início da evento e sair de lá, por sua conta e risco) para mim ainda esta sendo bem divertido, pois meu retorno era parcialmente feito de trem e os ferroviários franceses ainda estão de greve (portanto fica a dica, não se arrisquem na ida, venham uns 2 ou 3 dias antes). De forma alguma espere o mesmo tratamento solicito e cortes que temos aqui no Brasil.
Em relação a rota, ela entrega tudo que é prometido. Muitas paisagem lindas e montanhas monstruosas. Nada de estrada fechada (por ser um desafio no estilo amador europeu com 30-40 participantes), dividimos o espaço com os carros (que por sinal são muito corteses). O percurso foi muito bem sinalizado, mas é bom contar com o track no GPS da bike, isso me salvou em vários momentos de dúvida. As grandes montanhas de cada dia tinham mais do que 15 km com inclinação média geralmente acima dos 7% e máxima algumas vezes chegando aos 20% (e quando falamos 7% de inclinação média – prepare-se para andar um bom tempo com inclinação próxima dos 9-10%).
A rotina do evento é agreste, acordar as 6 da manha para o café, alinhar para a largada entre 6:40 e 7:30 dependendo da etapa, chegada ocorria entre as 17:00 – 18:00 horas para os lideres e as 19 – 20 horas para os demais, jantar e congresso técnico vinham a seguir, sobrava mesmo era pouco tempo para dormir (o que ainda pode ser complicado, afinal estamos em quartos duplos – opção padrão – você pode pagar mais para ter um quarto só seu – o que pode ser uma ideia interessante – caso você não tenha a sorte que eu tive de dividir o apartamento com um cara super sangue bom).
Os estágio são todos complicados, eles tem uma crueldades constante, e quando não são duros o suficiente, o pelotão aperta o passo até o estágio ficar divertido. Outro grande tema é o clima, largávamos com o sol nascendo não mais do que 8 – 9 graus celsius e no meio do dia a temperatura já passava dos 30 graus (comentaram que ainda tivemos muita sorte pois enfrentarmos poucos dias de chuva, mas quando ela vinha era para molhar até a alma). Diariamente tinha dois objetivos claros: chegar antes de anoitecer (o que não era tão complicado), mas também chegar antes da chuva da tarde. Ou seja, você tem que ter uma coleção completa de roupas de ciclismo (inverno, primavera e verão) e mesmo assim você vai congelar as pontas dos dedos em algumas descidas. Luvas completas para frio e chuva, um ótimo corta vento (esse tem que ser daqueles que resistam até a praga de sogra) e uma excelente capa de chuva são equipamentos cruciais e literalmente salvam vidas, o ideal é ter sempre dois conjuntos deles (1 em cada ponto de alimentação).
As subidas são realmente duras, e fiquei surpreso com a quantidade de montanhas, que eu desconhecia, e que podem ser tão ou mais duras que as montanhas míticas como o Izoard, Ventaux…. O asfalto algumas vezes é muito ruim, outras vezes ele simplesmente não existe e outras vezes é mais liso e limpo que o piso da minha cozinha. Portanto, pneu 25 mm é aconselhável pois esperar o carro do mecânicos é uma péssima ideia pois vai demorar até ele chegar, já que ele estará atrás de todos os participantes, considerando que pode haver diferença maior que 1 – 2 horas é complicado ficar parado na borda da estrada (destruí dois pneus 23 mm nos primeiros 2 dias depois disso só rodei com pneu 25mm e não tive mais problema – já escuto a polemica a chegando).
O principal nessa prova é a cabeça boa, você não pode se dar o direto de desistir e nem deixar a dor te assustar. Do meio da prova para frente, todos sofrem de dores no joelho, pescoço, na bunda (muitas pessoas viraram verdadeiros babuínos, que nem ouso comentar a respeito…..). Parece uma clínica de tratamento de velhos doentes.
Resumo da ópera – Aconselho a todos que tiverem vontade de participarem, mas esteja preparado para pedalar todos os dias 200 km e subir 5000 metros (no meu treinamento nunca pesei de 4000 metros de escalada, a primeira vez que subi mais de 5000 metros em um único dia foi na prova). Tenha ao seu lado profissionais de VERDADE para te orientarem. Tenha roupa para pedalar com temperaturas perto de zero grau, com chuva e vento e até neve – no caso dessa edição teve neve leve no pico Glandon (1 888 metros de altitude) e no Ventoux ( 1 885 metros de altitude). Mas a principal dica é ter uma bicicleta super confiável!
Confesso que é um desafio interessante e duro, mas digo que vale a pena tentar fazê-lo, ao menos uma vez na vida! Tenho a certeza que qualquer ciclista preparado corretamente pode conclui-lo, (afinal sempre fui mais para jumento do que para cavalo de corrida – ou seja, sou um ciclista amador para lá de médio e conclui o desafio) todos os participantes dessa edição se inspiravam mais em ciclistas como Eddy Merckx, Jens Voight, Laurens Ten Dam e no meu caso também no Ivo Lucas Siebert (Grande ciclista do Paraná, para mim ele é o exemplo de um ciclista verdadeiro – Obrigado Mestre Ivo!) e não em ciclistas POP como por exemplo o Wiggins e companhia LTDA. O perfil de quem participou desse desafio era bem parecido – pelo menos dos que não desistiriam – eram aguerridos e obstinados. Na minha opinião, basta o cara saber sofrer quieto e continuar pedalando que completa a jornada sem grandes problemas. Afinal, a verdade é que para esse tipo de desafio a dor é inevitável!