Matéria Epoca SP.
Na pista da direita, parado antes da faixa de pedestres, o ciclista espera o farol abrir. Atrás dele, um ônibus coletivo também aguarda, com o objetivo de parar em um ponto a 250 metros dali. O farol abre e ambos arrancam. Por conta de limitações físicas, o ciclista faz sinal com a mão para que o ônibus o ultrapasse. O motorista reduz a velocidade, dá seta para a esquerda, toma uma distância lateral de pelo menos um metro e meio do ciclista, ultrapassa-o e, próximo ao ponto, dá seta para a direita e encosta na guia para o embarque e desembarque de passageiros.
Esse seria o desfecho de mais uma cena nas ruas paulistanas em que oCódigo de Trânsito Brasileiro(CTB) fosse respeitado. Mas a experiência urbana mostra outra realidade, que coloca em risco o bem-estar de ciclistas, passageiros e pedestres. Por volta das 9h30 da manhã de segunda (13/6), o ciclista Antonio Bertolucci, de 68 anos, foi atropelado e morto por um ônibus quando trafegava pela Avenida Sumaré, em frente à Praça Caetano Fraccaroli, no bairro de Perdizes. Em depoimento prestado no 14º. DP, o motorista, que dirigia um ônibus de turismo da empresa Silvertur, alegou que Bertolucci estava em seu “ponto cego”. Pelas fotos da bicicleta do ciclista, bastante retorcida, o impacto foi forte. Bertolucci era presidente do conselho administrativo da empresa Lorenzetti, companhia especializada em chuveiros. Segundo ciclistas que estiveram em contato com a família, o empresário “era um ciclista experiente e tinha 15 bicicletas”. Uma delas será doada por um dos filhos de Bertolucci, Rogério, para que seja transformada em sua ghost bike (bicicleta fantasma) em manifestação marcada para ocorrer no mesmo dia, às 19h, no local onde ele morreu. A bicicleta será pintada de branco e fixada no local para servir de memorial e como um lembrete a todas as pessoas, pedestres, ciclistas, motociclistas e motoristas, de que é preciso aprender a compartilhar as ruas.
O caso mais comum de desrespeito relatado por quem usa bicicleta em São Paulo é o de motoristas que aplicam a chamada “fina educativa”: ao fazer a ultrapassagem, o condutor não reduz a velocidade (infração gravíssimae e multa de R$ 191,54, mais 7 pontos na carteira, segundo o artigo 220 do CTB) e desrespeita o limite de distância lateral de 1,5 metro em relação ao ciclista (infração média e multa de R$ 85,13, mais 4 pontos na carteira, de acordo com o artigo 201). O deslocamento de ar provocado por uma massa com mais de 12 toneladas, a uma velocidade média de 60 km por hora e a uma distância de menos de 1,5 metro é suficiente para desequilibrar e derrubar uma pessoa em sua bicicleta. E ao contrário do que muitos imaginam, o lugar das bikes é na rua. No artigo 96 do CTB, a bicicleta é classificada como veículo, e o artigo 58 estabelece claramente onde ela deve circular: “nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação debicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores”.
Mesmo com leis tão claras e motoristas de ônibus, em tese, treinados para a atividade que exercem, o relatório anual da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) sobre acidentes de trânsito contabiliza, em 2010, 49 ciclistas mortos, 8 deles em acidentes envolvendo ônibus. O caso de maior repercussão foi o da ciclista Márcia Regina de Andrade Prado, que morreu após um choque com um ônibus na Avenida Paulista. Época São Paulo conversou com ciclistas que sofreram recentemente acidentes para falar do trânsito da cidade, da opção por usar bicicletas e das “finas educativas”.