Um grande amigo e companheiro de treino (ultimamente anda desanimado com os treinos) Marcelo Frossard, também conhecido como “Maminha”, escreveu um relato sobre a sua participação na competição de estágios de MTB mais difícil do mundo, o Brasil Ride.
Vejam aqui a primeira parte do texto
Texto por Marcelo Frossard
A idéia deste texto é falar um pouco sobre a impressão, da experiência como um todo, de um ciclista amador que se aventura a realizar uma prova como o Brasil Ride.
Meu nome é Marcelo (mais conhecido como Maminha) e pedalo a cerca de 3 anos. Comecei com uma speed, depois de um ano comprei uma MTB e me apaixonei. Não sou atleta, nunca ganhei nada no ciclismo que não fosse saúde, alegria e bons amigos.
Quem pedala em Brasília tem alguns privilégios, como um dos melhores lugares pra treinar é um bairro no meio da cidade, inevitavelmente acabamos cruzando com alguns dos melhores ciclistas do Pais, tais como Abraão Azevedo, Marconi Ribeiro, Heleno, Paulada (sobre esse cara falarei mais tarde – mas já adianto que já era fã dele e depois do Brasil Ride de 2014 ele mostrou que não é deste planeta!!) e outros.
Assim, nesses encontros me tornei amigo do Henrique Andrade, do Geraldo Piquet e do Marconi Cabeleira. Minha ida ao Brasil Ride é culpa exclusiva desses três caras!! Foram eles que me fizeram entrar nessa insanidade!!!
Pra encurtar a história, tinha ficado um tempo parado e estava começando a fazer planilhas com o Marconi e fui chamado pra fazer um treino com Geraldo, que estava começando os treinamentos para o Brasil Ride.
Como meu nível e o do Geraldo eram bem parecidos – na tabela de treinamento estávamos classificados como atletas UMPPDR, que significa Ultra mega plus pau de rato nível 11!! – começamos a treinar mais vezes juntos e quando vi tinha feito quase toda a preparação para o Brasil Ride 2013 com eles.
Quem assistiu o documentário 0 a 600 pode me ver em algumas passagem! Graças a Deus o 12º episódio com os tombos não foi ao ar!! Nesse eu roubei a cena, Protagonista total!!kk
Os meninos completaram a prova e voltaram com o firme propósito de me jogar nessa fogueira também!! Daí, decidi que em 2014 eu ia me fud.. e encarar esse desafio.
Treinamento
Nesse aspecto, aconselho que todos que queiram entrar nessa enrascada procurem algum profissional pra prescrever seus treinos. A prova não é brincadeira, a margem de erro é mínima e o investimento é alto. De qualquer forma, vou passar um pouquinho do que funcionou pra mim.
No primeiro semestre os treinos são mais rápidos e a ideia é ir trabalhando a parte técnica de mtb, ganhando confiança e tentando andar mais rápido, seja subindo, seja descendo, seja no plano.
A partir de agosto, a coisa muda de figura e os treinos se voltam para o ganho condicionamento aeróbico pra enfrentar grandes distâncias e longuíssimas subidas.
Dentre todos os treinos que realizei, os mais eficiente foram os em Pirenópolis, bate e volta no delírio, corumbá e Buraco do Tatu.
Os treinos em Pirenópolis são muito efetivos porque a geografia do lugar é parecida com a que você vai encontrar na Chapada. Além disso, a cidade tem um número quase infinito de trilhas de todos os níveis e todas as distâncias. Tem ótimos lugares pra ficar e a comida também é maravilhosa!!
Se for a Piri, terá grande chance de encontrar o Decanha e o Pauletti andando por lá. Se ainda não os conhece, são dois dos caras mais gente boa que conheço e andam DEMAIS. Mais tarde falarei deles.
O bate e volta ao Delírio é um treino criado pelo Abraão Azevedo (anda pouco, ganhou todas as edições do Brasil Ride – preciso falar mais alguma coisa?), consiste em percorrer 126kms com cerca de 2800m de altimetria acumulada.
Saimos de Brasília e vamos até Sobradinho, onde fazermos a subida do Delírio – cerca de 4 kms para o alto e avante – e depois voltamos. O Herique fez uma matéria sobre esse treino. Mas quem quiser dar uma olhada mais de perto pode ir lá no strava e conferir. Treino duro com cerca de 7 horas de duração.
O treino de Corumbá é demais e, de todos que vou citar, é o único que fiz de speed. Trata-se de uma estrada perto de Luziania que tem cerca de 50kms e apenas 800 metros são planos. O resto é subindo ou descendo!! É um treino mais curto mas como as subidas são bem fortes e longas vale a pena. Já vi algumas pessoas fazendo o circuito 2 vezes mas aí o cara tem que ser bruto e estar com muita raiva da vida!! O Henrique também fez um post sobre um treino em Corumbá.
Finalmente, o Buraco do Tatu. Esse é uma merda!! Uma subida de asfalto de cerca de 1km com uma inclinação que você não vai querer saber. Não tem caminho alternativo, desceu tem que subir! Usamos o Tatu pra treinar tanto na speed quanto pra MTb. Como a inclinação é muito acentuada, quando queremos fazer musculação vamos lá!
Na preparação pro Brasil Ride 2014, num dia em que deixei minha sanidade em casa, decidi subir 10 vezes o tatu. Até hoje não sei onde estava com a cabeça.
O registro do treino está no meu strava e me lembro do Henrique filmar o Tatu em um treino de Sprint a um bom tempo atrás. Se pesquisar no site vai encontrar e dá pra ter uma idéia da brincadeira.
Suprimentos
Uma dúvida que atormenta muitos interessados no Brasil Ride é o gasto com equipamentos e alimentação durante a prova.
Uma coisa posso adiantar, é uma jornada cara, mas que vale cada centavo.
O primeiro gasto considerável aparece na fase de treinamento, vocês vão perceber que correntes e pastilhas de freio vão como água. Daí a importância de se ter uma speed, ajuda muito a percorrer kms a um custo mais baixo. A base aeróbica pode ser feita tranquilamente na speed.
Pneus também tendem a gastar mais rápido, porque como os treinos ficam mais longos, acabamos sendo obrigados a andar mais em trechos de asfalto, o que derrete o pneu.
Outro gasto que acho fundamental é com o profissional que vai prescrever seus treinos. Volto a insistir, a prova não perdoa, é fundamental estar bem preparado. Importante manter a bike sempre regulada, isso ajuda a preservar os componentes.
Para a prova em si, coloquei um jogo de pastilhas metálicas (mais resistentes a água) novos e levei um sobressalente. Coloquei pneus novos na frente e atrás e levei um jogo sobressalente. Importantíssimo que os pneus sejam reforçados, pensar em peso no Brasil Ride é besteira. Usei um par de continental protection. Meu parceiro usou um Ikon reforçado que também andou muito bem.
Um cuidado que tive mas que acho dispensável foi compra um cassete novo. Se o seu estiver em bom estado não acho que vá quebra lá.
Uma ideia que merece ser desmistificada é a de levar um par de rodas sobressalente. Acho besteira, porque a roda não cabe na mala que será levada para Rio de Contas, logo, você só poderá usar a roda na primeira e ultima etapas.
O que acho interessante levar são raios e rolamentos:
Resumindo.
O que se deve levar sobressalente é:
- Par de pneus;
- Raios e rolamentos;
- Pastilhas de freio:
- Liquido antifuro
Finalmente, uma dica importante é: NÃO LEVEM SAPATILHAS COM SOLA DE CARBONO. A sapatilha tem que ser confortável, são muitos empurra bike e eles são muito longos, uma bolha no calcanhar pode te atrapalhar muito mais do que você imagina.
Pensar em peso e performance em uma prova como essa é privilégio dos profissionais!!
Realizada a preparação, é chegada a hora da prova. Partimos, as 5 da manha de Brasília, eu, Geraldo e Abraão. Isso mesmo, fiquei chique demais, tive mais de 10 horas pra pegar o maior número de conselhos possíveis com o Patrão (apelido do Abraão)!!
Reconhecimento
No primeiro dia fizemos o reconhecimento do Prólogo. Já vi que ia ser bem técnico! Uma sensação que deve ser controlada é a vontade de tentar descer em tudo. É muito perigoso e não vale o risco, afinal de contas, passamos quase 8 meses em preparação e não ia arriscar jogar tudo fora alí! Se for com cuidado dá pra fazer tranquilo.
Pra fechar o dia com chave de ouro, quando fomos ver o horário da largada, eu e Geraldo percebemos que nossos números eram bem baixos (34-1 e 34-2), ou seja, eram números de Elite e iríamos largar ao lado da dupla do Luiz Leão Pinto (o cara já ganhou a prova na elite e é um dos melhores do mundo na maratona!! Um MONSTRO). Ter parceiro vip dá nisso.
Prólogo
Quando fomos alinhar pra largada chamei o Geraldo e falei: Parceiro, já tenho a estratégia pra largada, vamos dar o sangue até o fim.
– Geraldo riu, dizendo que o cara era o favorito pra ganhar a prova e que eu só poderia estar de sacanagem.
Respondi que daríamos 100% até o ultimo fotografo, que ficava a uns 300 metros da linha de largada!!kkk
Dito isso, estratégia acertada, largamos a 110% e antes da segunda curva já estávamos bem pra traz! Nem a foto com o último fotografo conseguimos!kkk
No resto foi apenas seguir tentando não cair e atrapalhar o mínimo possível os outros atletas da elite que nos alcançavam a todo instante!! Chegamos bem.
Durante a noite começam os rituais de pajelança pra pedir aos deuses pra que não chova e também não abra um sol de rachar. Qualquer das duas coisas seria capaz de tornar a etapa do dia seguinte (algo quase impossível) em algo mais que impossível.
Segundo dia – ida a Rio de Contas, passando pelo núcleo da terra.
Acordamos às 4 da manhã e logo percebi que o pensamento positivo de todos tinha surtido efeito. Dia nublado. Logo pensei que Deus estava ajudando, mal sabia que ele estava sendo era sarcástico!
Essa é, sem dúvida, a largada mais emocionante. É a etapa mais longa e tem o temido Vietnã. Todos os participantes estão tensos e ficam alertando que é pra ir com calma pra não quebrar pros próximos dias. Ouve-se muito que o Brasil Ride só começa no quarto dia. Mentira, ele fica ruim pra boneco no quarto dia, mas começa no reconhecimento do prólogo.
Largamos em ritmo contido e preocupados com a hidratação. Assim fomos tocando até o primeiro ponto de apoio e depois e depois.
Lembra que Deus estava sendo sarcástico, pois é, o dia começou nublado até umas 9 horas da manhã, depois disso abriu um sol que obrigava calango a passar filtro solar.
Esse foi disparado o pior dia. Pra resumir, atletas profissionais não completaram, gente muito bem preparada passou mal e teve que abandonar. Ao final do dia, 30% dos atletas não conseguiu completar a etapa. Voltando pra nossa dupla, esse foi nosso pior e melhor dia.
Começou mal quando conseguimos nos perder. Parei pra molhar o capacete e sugeri ao Geraldo seguisse, que logo a frente, eu o alcançaria. Feito isso, Geraldo pegou uma bifurcação errada e, claro que a lei de Murphy é altamente aplicável nessas horas. Foi nesse exato momento que passei.
Com isso, achei que o Geraldo tinha incorporado o Absalon e tentei andar o mais rápido possível pra alcança-lo. Andei que nem um louco e nada do Geraldo. Pensei, na pior das hipóteses ele me espera no ponto de apoio.
Chegando lá, só haviam 5 bike. Desesperei e fui falar com o fiscal da prova que falou que meu parceiro já tinha passado e que, além disso, tomaria uma penalidade de uma hora por estar distante do meu parceiro mais de 2 minutos (isso está no regulamento).
Com esse balde de água fria, tomei uns 4 copos de isotônico, recarreguei as garrafinhas, completei a mochila de hidratação e comi um par de bolachas e sentei a bota pra tentar alcançar o Geraldo. Nessa hora eu só pensava em uma forma de ele estar tão rápido, largou a bicicleta e pegou o Caminhão!!kkkk.
Continuei tentando andar o mais rápido possível, mas fazia tanto calor que cruzei com o Capeta umas duas vezes e ele já tinha trocado o tridente por um leque, estava só de sunga e pedindo água!!
Depois de mais alguns kms, cheguei no temido Vietnã. Por mais paradoxal que isso possa parecer, foi ele que nos salvou.
Na entrada do Vietnã fica posicionado um fotografo, não pensei duas vezes. Falei com ele e pedi pra olhar todas as fotos que ele tinha batido. Afinal de contas, se o Geraldo já tivesse passado teria sido fotografado!! Depois de olhar umas 500 fotos, tive a certeza que meu parceiro não estava na minha frente e sim atrás de mim. Agora era só torcer pra que ele estivesse bem e que chegasse logo.
Fui pra entrada do Vietnã e fiquei aguardando, até que, reconheço o nosso sinal sonoro. Aqui cabe uma explicação. Num dos vídeos do praquepedala.com.br, fiz uma brincadeira e passei por trás do Henrique imitando uma gralha!!! Não precisa nem dizer que esse virou nosso sinal sonoro. Como nas trilhas não dá muito pra ficar olhando pra traz pra ver o parceiro, acertamos que lançaríamos o sinal sonoro, caso fosse respondido estaria tudo bem! Resumo disso, até hoje quando nos falamos no telefone não falamos alô, e sim, um estrondoso Ahaaa –Ahaaaa!!
Um personagem fundamental pra nossa dupla foi o Luiz, ciclista que o Geraldo conheceu em Botucatu. Isso porque depois de uns 45 minutos esperando na entrada do Vietnã, comecei a me preparar pra terminar a etapa sozinho, nesse exato momento, o Lúcio (Campo Grande) chegou e me avisou que o Geraldo estava quase chegando e que estava me procurando. Obrigado meu querido, sem sua ajuda nós teríamos nos perdido novamente.
Nesse exato momento, vejo um ciclista chegando e ouço o som maravilhoso da gralha!! Respondo na hora e escuto um sonoro “Graças a Deus!!!. Nessa hora fiquei contente, meu parceiro estava com saudades!!kkkkkk
Passado o susto, Geraldo descansou um pouco, falou que estava passando mal mas que continuaríamos!!
Minhas esperanças de terminar a prova voltaram!! Afinal de contas o Vietnã não deveria ser tudo aquilo que pintavam. Engano meu.
No Vietnã apenas caminhamos empurrando a bike, só que com uma inclinação incrível, o coração dispara mesmo andando. É praticamente uma escalada.
O Geraldo começou a piorar, tentei carregar a bike dele nos trechos mais difíceis e fomos indo!! Muito sofrido mas conseguimos sair. Nesse trecho não posso deixar de agradecer a uma personagem que foi fundamental, Robertinha, ciclista de Goiás, que nós não conhecíamos, mas que, quando passou por nós e percebeu nossa aflição, prontamente ofereceu alguns goles de uma mistura mágica que ela levava na garrafinha. Perguntei a receita e ela foi falando: “ soro fisiológico, suco de jaboticaba, ginseng, marapuama, catuaba, asa de morcego, pelo de suvaco de cobra, chifre de bacalhau, dente de leão albino, dentre outras coisas. O que importa é que o negócio era tão hidratante que acho que se jogássemos isso em cima de um fóssil, o dinossauro levantava cuspindo água!! Kkkk. Resultado, a energia começou a voltar e fomos seguindo.
Na saída do Vietnã tem uma prainha. Com o calor que estava fazendo, parecia uma miragem! A galera saia do inferno e chegava no paraíso. Todo mundo hipopotando (brincado de hipopótamo) pra resfriar o corpo, encher as garrafinhas e enfrentar uma estrada que mais parecia uma parede!! Incrível a capacidade que o Brasil Ride tem de achar subidas!!!
Só pra dar uma dimensão do que é esse trecho, são apenas 8 kms que fizemos em quase duas horas, a sensação é de cozimento lento e gradual!!
Depois desse trecho temo uma subida forte e entramos em um plano e pra finalizar, uma serrinha de 9 kms. Nessa hora eu pensei em pedir 5 minutos pra chorar.
Já tinha sentido câimbras em todos os músculos, osso e tendões. Se você acha que caibras são musculares, o Brasil Ride vai te mostrar que até folículos capilares são passíveis de causarem essas dores!kkk.
Voltando ao que interessa, ainda estávamos no tempo de prova e o show tem que continuar. Nossa estratégia era simples, permanecer vivo e, quando possível, pedalando. Vivo até que dava mas pedalar nos trechos mais íngremes era impossível!! Pelo menos eu achava, pois o Geraldo veio pedalando a serra toda!!
Quando terminamos de subir, faltavam 2 kms de decida e uns 4 minutos pra 18 horas(supostamente o tempo limite).
Falei com o Geraldo pra acelerarmos mas ele estava exausto.
Assim fomos até chegar na cidade as 18:16.
Pensei, o sonho acabou por 16 minutos. Quando olho por Geraldo, ele está se retorcendo todo e precisando de atendimento médico. Correria pra carrega-lo(obrigado à dupla de Montes Claros que me ajudou) até o posto médico. Passado o susto, me aparece o Henrique Andrade me abraçando e dizendo que ainda estávamos no páreo, pois o primeiro colocado tinha feito em 6 horas e 20 min, com isso, o tempo de corte foi estendido pra 18:40. Ufa, entramos por vinte minutos!
Continua…